Portuguese Language Asked on August 27, 2021
Enquanto pesquisando no Priberam:
Antes, gostaria de dizer que serão múltiplas perguntas e que será um texto longo. Eu gostaria de fazer uma pergunta para cada palavra, mas apenas ficaria pior. Desculpa pelo tamanho.
Pela descrição do Priberam, é uma forma antiga e basicamente diz "flexão do pronome mim, quando precedida da preposição com", então, "com migo" = "comigo". Esta não me deixa dúvidas.
Diz o Priberam que é uma flexão do pronome tu "hoje, só empregada em contigo". Onde mais a se utilizava? Isso seria uma das flexões do pronome tu vinda do latim que, pelo português ter perdido os casos, só serve com "com"? Imagino que sim.
Diz a descrição "O mesmo que consigo", ok, e "Forma nominativa do pronome se (em consigo)". O que é a forma nominativa? É possível a usar sem "com"?
É dito "Forma do pronome nós, geralmente precedida da preposição com". Novamente, isso há relação com "O mesmo que conosco"?
O meu favorito e mais importante para mim. Primeiramente, o que é forma comitativa? "Comitativa" tem relação com "com"?
Segundamente, "Plural: voscos |ô|", o que significa "voscos", então? Qual a diferença entre "vosco" e "voscos"?
O último, mas menos importante: por que, para mim, é mais natural dizer "para vosco" do que "para vós"? Isso também ocorre a outrem? Isso também ocorre um pouco com "conosco" ao invés de "nós", mas não vejo problema nenhum em falar "isso é para nós". Porém, não há nenhuma naturalidade para mim, em dizer "para vós" — soa-me errado; "para vosco" soa-me muito mais correto.
Obrigado por teres lido este texto longo. Desculpa pela longura desse texto; espero que não tenhas dormido, enquanto o lendo.
A quem quiser responder, a última pergunta não precisa ser respondida e podes responder apenas uma parte, porém, por favor, inclui as perguntas relacionadas a "vosco", podendo ignorar a última.
A quem quiser editar, podes tirar "migo", se quiseres.
Migo, tigo, etc. são palavras do português medieval que significavam simplesmente comigo, contigo, etc. (como já diz o Artefacto), tendo sido substituídas por estas últimas no português moderno. Tudo o mais são confusões do Priberam. As formas medievais vêm do latim mēcum, tēcum, etc., com os mesmos significados, como se mostra na tabela abaixo.
Latim Português medieval Português moderno
mēcum migo comigo
tēcum tigo contigo
sēcum sigo consigo
nōbīscum nosco conosco
vōbīscum vosco convosco
Fonte: Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa
As palavras latinas já incluíam a preposição cum, ’com’. Por exemplo, tēcum vem de te, ablativo de tu, + cum. A posição de cum após o pronome é curiosa. É um bocado como se nós disséssemos mim com, ti com, nós com, etc. Cícero disse que tudo começou com nōbīscum (nōbīs é o ablativo de nōs, ’nós’) para evitar cumnobis, um cacófato muito feio porque soaria como cunnō bīs (pormenores no Wikitionary). Linguistas modernos sugerem que cum tivesse originalmente sido um advérbio, tendo por isso posição mais livre na frase.
A passagem de -cum a -go (mecum → migo, etc.) pode parecer estranha, mas a terminação -m perdeu-se ainda no latim vulgar, e o -c- intervocálico tendeu a passar a -g- na evolução para o português (como em amicum → amigo, formicam → formiga, posticum → postigo, lacum → lago). O dicionário Houaiss explica o resto em grande pormenor no caso de comigo (desenvolvo as abreviações):
comigo […] ETIMOLOGIA com + antigo migo, este do latim mēcum, de mē ablativo do pronome pessoal ego + -cum ’com’; como se vê, ocorreu um uso pleonástico de cum ou com na posição prepositiva, devido ao apagamento da noção do cum, aglutinado pospositivamente sob a forma -go; é possível que tal uso pleonástico tenha ocorrido no latim vulgar *cumecum, devido ao facto de ocorrer também em espanhol comigo , no italiano antigo commeco e no velhoto konmaik; a passagem -e->-i- deveu-se à influência da forma tónica mim; ver lhe; formas históricas s[éculo]XIII comigo, sXIII comego, sXIII conmigo, sXIV cõmjgo, sXV commiguo
Encontras explicações análogas, mas mais resumidas, nos verbetes contigo, consigo, conosco e convosco. Esta adição do com- ás formas medievais faz-me lembrar o atrás em coisas do tipo há cinco anos atrás, muito comum em Portugal. Pergunto-me se os educadores antigos também acusaram comigo, contigo, etc. de serem vícios de linguagem.
Podes ver no Glosario da Poesía Medieval Profana Galego-Portuguesa muitos exemplos de uso de migo, tigo, sigo, nosco, vosco. Podes encontrar ainda mais exemplos, com contexto completo, no Corpo Informatizado do Português Medieval.
Quando é que as formas medievais caíram em desuso, eu não sei dizer. Mas procurei nalgumas obras, e já não as encontras n’Os Lusíadas (1572), nem na Crónica de D. João I (1443) de Fernão Lopes, nem no Leal Conselheiro do rei D. Duarte (1391-1438); são só as formas modernas as que encontras nestas obras.
As tuas restantes dúvidas resultam de lapsos e falta de uniformidade por parte do Priberam.
Migo, tigo, etc. sem com significavam o mesmo que comigo, contigo, etc. O Priberam dizer isto acerca de sigo e nosco mas não de migo, tigo e vosco é simplesmente um falta de uniformidade na apresentação.
Precedidas de com, migo, tigo, etc. podem ser reinterpretados como as formas dos pronomes pessoais no caso comitativo, que é o caso “que exprime companhia” (Houaiss). Isto aplica-se a todas as pessoas — migo, tigo, sigo, nosco e vosco. O Priberam mencioná-lo apenas no caso de vosco é novamente uma falta de uniformidade; e dizer que sigo é a forma nominativa só pode ser engano.
Dizer que migo é flexão de mim e que tigo é flexão de tu é novamente falta de uniformidade. Eu, me, mim são tudo flexões do mesmo pronome pessoal. Seria mais natural dizer que migo é flexão de eu, pois normalmente usamos como referência o caso reto.
Também só pode ser engano o Priberam dizer que vosco é um nome masculino, ou que admite plural voscos.
Já houve além de ti pelo menos duas pessoas que escreveram na internet para vosco, aqui (2017) e aqui (2019). Nenhum dos casos é exemplo de boa escrita. Outros resultados são enganos do Google, que leu mal vosso ou Vasco. Diz-se e sempre se disse para vós e não *para vosco. Para vós soa-te mal possivelmente porque o tratamento por vós caiu em desuso há muito tempo (sobrevive em alguns falantes no norte de Portugal e na linguagem da igreja) e tu não estarás familiarizado com ele.
Correct answer by Jacinto on August 27, 2021
Acredito que o redator desta página do dicionário se enganou, pois em um momento ele toma o caso reto como origem da flexão, já em outro ele toma o caso oblíquo.
Em algumas pesquisas, foi possível encontrar que "tigo" é/era uma forma abreviada de falar a palavra "contigo". Isso pode ser evidenciado em Cantigas de Escárnio e Maldizer. No entanto, em outras pesquisas mais concretas, informa-se que "tigo" é, na verdade, a forma original da palavra derivada do latim "tecum".
Em poucas palavras, "forma nominativa" é o mesmo que "caso nominativo" e que, por sua vez, pode substituir o conhecido "caso reto".¹²
Sim, a palavra sigo pode ser utilizado como conjugação do verbo seguir. Exemplo:
Eu sigo você, vá adiante.
No entanto, com o mesmo sentido de consigo, não encontrei esse modo de utilização na lingua portuguesa e, portanto, posso supor que não existe.
Do mesmo modo que o sigo, não encontrei fontes confiáveis da utilização do nosco sem a precedência do com. Portanto, é possível supor que não existe.
A forma comitativa, também conhecida como caso comitativo³, é um caso gramatical que, sim, tem total relação com o “com”. Este caso indica companhia e as únicas palavras declinadas dele que ainda estão em uso na lingua portuguesa são as que você citou (comigo, contigo, conosco, consigo e convosco).
Seriamente recomendo que você busque outros dicionários, pois este possui diversos erros, já que "vosco", do mesmo modo que "vós", já representa o plural.
Eu não vejo naturalidade alguma em utilizar o "para vosco" ou "para nosco", que estão incorretos. Na verdade, vejo um modo de querermos deixar uma palavra mais formal e apresentável. De modo simples, posso citar os verbos ter e possuir. Muitos utilizam o possuir para deixar o verbo ter de um modo mais formal. No entanto, ambos os verbos possuem diferenças e, portanto, é errôneo utilizá-los com o mesmo sentido.
¹ Arquivo da Universidade de São Paulo. (pesquise por "caso reto (nominativo)" no arquivo).
Answered by Chanp on August 27, 2021
Migo, tigo, e por aí em diante significam comigo, contigo, ...
Dom Meendo, vós veestes
falar migo noutro dia;
(Cantigas de Escárnio e Maldizer)
Muito foi noss' amigo
Gabriel, quando disse:
"Maria, Deus é tigo."
Polo meu mal filhou [s’ ora] el rei
de mar a mar, assi Deus mi perdon,
ca levou sigo o meu coraçon
Nem estas armas eu nunca lhas vi
trager na guerra; destes sinaes
que ora trage, nom trouxe taes
nosco na guerra, quand’el-Rei foi i;
(Cantigas de Escárnio e Maldizer)
Chegades [vós, ai] amiga, du e´ meu amigo
e con el falastes, mais eu ben vos digo
que falarei vosco tod’ aqueste dia,
pois falastes con quen eu falar queria
Já nestes textos do séc XIII aparece por vezes a preposição con. A origem das formas comigo etc. é portanto pleonástica.
Quanto ao dicionário indicar um plural voscos, parece-me simplesmente um lapso.
Answered by Artefacto on August 27, 2021
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